Especial Virando o Jogo #11 | De volta ao começo

30 de junho de 2022 - 14:53

Ethel de Paula - Texto Queiroz Netto - Fotos

Para Daniela da Silva Ximenes, educadora social e instrutora do SENAC, instituição parceira do Governo do Estado no projeto Virando o Jogo – Superação, voltar à Associação Comunitária dos Moradores do bairro Floresta (ACFlor), aos 29 anos, como professora de uma turma de jovens em situação de vulnerabilidade social beneficiados com formação cidadã e capacitação profissional gratuitas, é adentrar o túnel do tempo para refazer as pegadas de sua própria trajetória de vida. Ao longo da infância e boa parte da adolescência, ela também foi assistida naquele mesmo território pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), braço da Política Nacional de Assistência Social.

De criança em situação de extrema pobreza, que chegou a morar em barraco de tábua à beira da lagoa do Urubu, Daniela passou a integrante de diferentes projetos sociais até agarrar a oportunidade de se tornar Jovem Aprendiz de uma empresa. Não sem esforço. Para ganhar seu primeiro salário mínimo com carteira assinada suou a camisa e mostrou serviço como auxiliar de produção, ao mesmo tempo em que concluía o Ensino Médio. Próximo à maioridade, foi além: economizou o do transporte e o da merenda para conseguir acessar uma faculdade enquanto trabalhava e, finalmente, acabou passando na peneira de uma seleção pública. Já trabalhava com população de rua quando também fez bonito no processo de recrutamento do SENAC, passando a compor a equipe do projeto Virando o Jogo – Superação.

E é pinçando da memória cada passo da própria “virada” que ela afirma em tom de desabafo: “me ver hoje em sala de aula ensinando tudo o que aprendi para jovens com as mesmas dores e dificuldades financeiras pelas quais passei é mais do que uma realização profissional. Pessoalmente, me faz ter certeza de que o sangue no olho e o empenho valeram à pena e que posso fazer a diferença na vida deles ao fazê-los acreditar que, como eu, também são capazes de melhorar as próprias vidas e seguir evoluindo se aproveitarem cada oportunidade para seguir com os estudos e se qualificando para o mercado de trabalho. Sou a prova viva de que é possível virar o jogo e sei que ainda estou subindo uma escadinha que eles vão começar a subir agora com o incentivo valioso do projeto”, vibra.

O que a instrutora Daniela considera valioso é uma nova geração de políticas públicas voltadas à juventude que têm a educação como pilar de transformação social. Daí a sensibilização voltada à reinserção escolar junto a quem interrompeu os estudos concomitante à qualificação profissional para jovens que desejam ingressar no mercado de trabalho. “Essa combinação é ainda mais poderosa e eficiente quando, ao longo de sete meses de formação, também podemos tratar em sala de aula sobre cidadania, chamando atenção para os direitos e deveres de um jovem cidadão e seu protagonismo dentro do território onde mora, sua capacidade de agir em prol do coletivo, transformando não só a sua a vida individual como a da comunidade”, ensina.

Jogando pela cidadania

É com formação cidadã que a 4ª edição do projeto Virando o Jogo – Superação se inicia. Daí porque, por todo o chão da sala de aula da Associação Comunitária dos Moradores bairro Floresta (ACFlor), a professora Daniela Ximenes espalhou folhas de papel com frases de comando, simulando o que chamou de Trilha da Cidadania. Você sentou no lugar destinado a idosos no ônibus? Volte três “casas” no tabuleiro improvisado. Estudou e passou no ENEM? Avance duas “casas” e ganhe a dianteira! Ensinou o que aprendeu na escola a alguém que tinha dificuldade nos estudos? Pode dar mais dois passos adiante. E assim cada pergunta vai dando lugar à troca de ideias sobre ética, respeito às diferenças, solidariedade, responsabilidade social, sentimento de pertença.

Mateus de Lima Rodrigues, 18, pontuou bem no jogo. Tudo porque acabou por revelar que seu interesse em ingressar no projeto Virando o Jogo – Superação não é só pessoal, mas também coletivo. “Fiquei sabendo que era uma oportunidade de aprender uma profissão e ainda ter uma ajuda de custo mensal. Aí não pensei duas vezes em vir porque já entra algum dinheiro para pagar pelo menos uma conta de internet em casa, né? E eu sonho em trabalhar com Publicidade ou Administração por isso quero ter mais conhecimento nessa área. Mas quando terminar a minha formação aqui também quero poder criar uma ONG no bairro para que o jovem pratique esporte e possa deixar de seguir um caminho errado, como já aconteceu com vários amigos meus”, diz, com pesar.

Também moradora do bairro Floresta, Maria Isadora Santana Ângelo dos Santos, 18 anos, integra o projeto Virando o Jogo vislumbrando um futuro possível. Admite que adora o mundo das artes, que a família toda tem talento para pintura e desenho, que a dança e o teatro lhe chegaram ainda criança, através de outros projetos sociais, mas não consegue vislumbrar trabalho na área no momento. “A arte infelizmente não é valorizada em termos de mercado, por isso prefiro escolher uma outra profissão que me traga logo renda, sabe? No Virando o Jogo talvez escolha o curso de Assistente Administrativo, de olho em qualquer vaga de emprego que apareça. Preciso me virar”, pondera.

A necessidade imediata, no entanto, não asfixia o sonho maior. “O que eu desejo mesmo é ser uma pessoa formada, com conhecimento, entende? Acho bonito quem tem estudo. Mas pra isso preciso de dinheiro para pagar faculdade, que vai ser na área da enfermagem ou da docência. Aí quem sabe eu possa até me tornar professora de arte, né?”, vislumbra a jovem que vai poder contar com a companhia do irmão ao longo de todo o processo formativo no Virando o Jogo. “Fomos os dois selecionados, ou seja, a nossa chance de entrar no mercado de trabalho é duas vezes maior”, brinca Isadora, como quem já pisa firme em um tabuleiro de oportunidades.

Injeção de ânimo

Hora do lanche no CITS Conjunto Ceará, um dos equipamentos do Governo do Estado que abraça a 4ª edição do projeto Virando o Jogo – Superação. Sabrina Lima da Silva, 16, moradora do bairro Granja Lisboa, vence a timidez para falar sobre si e os motivos que a levaram até ali: foi diagnosticada com depressão desde 11 anos de idade e as crises depressivas periódicas a fizeram abandonar os estudos em diferentes fases da vida. “Descobri que esse projeto tem acompanhamento psicológico, além de oferecer cursos profissionalizantes para os jovens da periferia. Foi isso que mais me atraiu porque sempre paro as coisas no meio do caminho, mas dessa vez terei ajuda especializada para voltar para a escola e não desistir da formação. Vai ser um desafio pra mim, também porque descobri que estou grávida e serei mãe solteira. Mas todo esse suporte do projeto me faz querer ir até o fim”, revela.

Sem pestanejar, Sabrina já sabe o curso profissionalizante que poderá lhe interessar: “barbeiro, manicure ou algum outro ligado à área da beleza”. “Meu pai é cabeleireiro e a esposa dele também. Então poderia ir trabalhar com ele, já que minha mãe está desempregada. Mas pra mim o projeto é mais uma forma de não ficar em casa sem nada pra fazer. Minha mãe costuma dizer que mente vazia é a oficina do Diabo. Então estou tentando ocupar minha cabeça e vou procurar me socializar ainda que não conheça ninguém desse bairro, por enquanto. Mas vim também para fazer amizade e ter amigos em sala de aula deve ser mais um estímulo para não desistir”, torce.

Rodeado de amigos, Robson Costa Oliveira, 18 anos, veste a camisa do Fortaleza e bate no peito para dizer que mora no bairro Bom Jardim. Está cursando o 9º ano, prestes a terminar o Ensino Médio e veio para o projeto aprender um ofício já familiar. “Meus tios são salgadeiros, meu pai é servente e minha mãe dona de casa. Mas moro mesmo é com minha avó. Então quero logo começar a contribuir com alguma ajuda financeira em casa e poder quem sabe montar um negócio em casa. Sei que o curso de salgadeiro vai ser na cozinha experimental do SENAC e é gratuito, então não posso perder a oportunidade que o projeto dá pra gente ter uma capacitação profissional de qualidade”, diz o jovem ansioso pelo primeiro emprego que alimenta um desejo em paralelo: ser jogador de futebol profissional.

Foco e fé no próprio poder de superação. Lara Rayna Bernardo Costa, 15, viu no projeto Virando o Jogo a chance de voltar ao ensino formal e ainda poder contribuir em casa financeiramente. “Receber uma ajuda em dinheiro vai ser muito importante e faz a diferença pra mim. A gente vive do Bolsa Família, minha mãe tá desempregada e já não tá dando. Além disso sempre tive vontade de trabalhar, mas para arrumar um bom trabalho sei que tenho que ter estudo em primeiro lugar. Então foi isso que vim buscar: voltar para a sala de aula e adquirir mais conhecimentos para terminar o projeto com um primeiro emprego no currículo”, torce a jovem que sempre sonhou em ser doutora e curar os doentes, sobretudo após o falecimento do pai.