Especial Virando o Jogo #09 | Expectativas na chegada para a 4ª edição

27 de maio de 2022 - 15:48 # # # # #

Ethel de Paula - Repórter Queiroz Netto - Fotos

Passos apressados, guarda-chuva numa mão, pasta com documentação na outra, a moçada vai chegando. Primeiro a conta-gotas. Depois em sequência ritmada, até que um caracol de gente sorridente começa a se formar. “Tô muito ansiosa”, adianta, ainda na recepção da Associação de Moradores do Conjunto Tancredo Neves, a jovem moradora do bairro que enfrentou uma manhã chuvosa de terça-feira em Fortaleza para fazer valer sua pré-inscrição e matrícula para a 4ª edição do projeto Virando o Jogo – Superação. Francisca Gisele Marcolino Silva, 18 anos, soube por uma amiga da mãe que o Governo do Estado está ofertando, desde 2019, formação cidadã e capacitação profissional gratuita para a juventude oriunda de áreas periféricas, deitando foco justamente entre os que não trabalham no momento ou se evadiram do ensino formal, mas desejam voltar a estudar.

“Não contei pipoca e fiz logo minha pré-inscrição quando vi que me encaixava no perfil de vulnerabilidade social e morava em uma das áreas periféricas acolhidas pelo projeto. Eu tinha terminado o Ensino Médio há dois anos e estava à procura de emprego. Tinha tentado o ENEM antes, mas não consegui passar pela UFC. E faculdade particular não tinha condição de pagar. Então, o Virando o Jogo veio em boa hora porque, além de aprender coisas novas, ainda vamos ter uma ajuda de custo, né? Fiquei tão animada que até trouxe duas amigas comigo para ter com quem dividir a alegria”, conta a filha de mãe cozinheira e pai mecânico desempregado no momento.

Gisele chega ao Virando o Jogo com expectativas de anteontem. “Tenho interesse hoje na área da saúde, porque tive problemas na coluna e fui muito ajudada pela fisioterapia, então queria ajudar as pessoas também. Mas na verdade sempre sonhei foi com artes cênicas. Queria trabalhar na TV. É um sonho que ficou distante por causa do custo. Tentei cursos gratuitos aqui perto, no bairro, mas não era para minha faixa etária. Então, se nesse projeto eu puder me formar em algo nessa linha aí volta a ser meu sonho principal”, adianta a moça que já trabalhou em restaurantes aos finais de semana ao mesmo tempo em que passou por um curso básico de confeiteira na intenção de ajudar a mãe no sustento de casa.

Entre o feijão e o sonho, Gisele quer ficar com os dois. Por isso, já sabe em que investir quando começar a ter aulas de qualificação profissional certificadas pelo SENAC, instituição parceira do projeto Virando o Jogo. “Qualquer dinheirinho que entrar é pra ajudar a seguir com os estudos, porque isso abre portas para o mercado de trabalho. Então, nem vem tanto ao caso o curso que devo escolher, porque o mais importante é abrir nossa mente pro conhecimento ao invés de ficar o dia todo com o celular na mão como acontece comigo hoje. Já tô parada, sem estudar ou trabalhar faz tempo, e vejo que as redes sociais não me levam a nada. É a troca em sala de aula, com os melhores professores, que vai me levar a ter outra vida”, encerra.

Cadê o sonho que tava aqui?

Morador do Conjunto Tancredo Neves, Antônio Tawan, 19 anos, admite: “não tava fazendo nada de produtivo em casa, terminei o Ensino Médio há mais de um ano e andava desinteressado de faculdade. Aí achei que era bom tentar esse curso pra conhecer gente nova, fazer amizades, pelo menos, que era o que eu mais gostava na escola”. Ele nem sabe o que esperar do projeto Virando o Jogo ao certo, mas se o processo formativo porvir mexer com sua autoestima e autoconfiança todo esforço já terá valido à pena. “Costumam dizer lá em casa que eu sou preguiçoso. E sou mesmo. Porque nunca me interessei em trabalhar, mas é porque nunca acreditei também que eu pudesse passar em nenhuma seleção. Só que parece que dessa vez vou conseguir passar”, diz, entre contente e desconfiado, o jovem que se interessa pela área de Informática.

Tímido confesso, Tawan foi criado pela avó e superprotegido a tal ponto que fez do próprio quarto um refúgio quase inviolável, habitat onde também já enterrou sonhos. “Antigamente eu queria ser policial, mas depois de tanta notícia de violência perdi essa vontade. E fui vivendo muito isolado. A escola era o único lugar em que eu ainda fazia amizade, mas depois que terminei o Ensino Médio me tranquei de novo. Então, espero que nesse projeto eu possa me soltar mais, consiga conviver com as pessoas, falar em público e que também eu possa voltar a sonhar de novo com alguma profissão, porque já não tenho nenhum sonho”, segreda.

Sonhar de novo e mais uma vez

Estefani Felix da Costa, 18, já sentiu antes o gostinho bom de passar por um curso de qualificação que possa se reverter em trabalho, ainda que informal. Por isso, não titubeou em fazer sua pré-inscrição tão logo soube por uma amiga da existência do projeto Virando o Jogo – Superação. “Faz tempo que não participo de curso nenhum. O último foi um básico de confeiteira, para ajudar a minha mãe, que gosta de fazer bolo e trabalha fazendo salgado para revenda. Há dois anos terminei o Ensino Médio e tô sem trabalhar. Ainda trabalhei por dois meses numa loja de roupas, como vendedora, mas sem carteira assinada. Então a chance que vier de trabalho ou renda eu quero agarrar”, aferra a jovem que sofreu com escoliose por anos e por isso hoje sonha em tornar-se fisioterapeuta.

Com a ajuda de custo que ganhará quando vestir a camisa do Virando o Jogo Estefani quer ajudar a mãe, como forma de compensar minimamente aquela que conseguiu criar sozinha cinco filhos, trabalhando originalmente como doméstica. “Meu pai bebia muito e só provocava brigas. Até que minha mãe conseguiu se separar dele. Quando passou a ser confeiteira ela conheceu meu padrasto. Eu morava e me dava muito bem com eles até bem pouco tempo. Mas meu irmão teve que vir morar com a gente, trazendo esposa e três filhos, por conta de conflito armado no bairro dele. E assim sair de casa para morar com minha namorada, sem qualquer planejamento”, conta, deixando claro a importância ainda maior do projeto para quem precisa passar a se manter precocemente e sabe que oportunidades no mercado de trabalho chegam primeiro para quem estiver melhor qualificada.

Foi através do grupo de WhatsApp dos amigos da Cidade dos Funcionários, bairro de origem, que Francisca Gisele Barbosa Umbelino, 17 anos, descobriu o projeto Virando o Jogo – Superação, enxergando nele o espaço para canalizar uma miríade de vocações e habilidades. “Há dois anos dou aulas de reforço para crianças e gosto muito desse trabalho. Já alfabetizei muitas delas inclusive, o que me alegra muito, até porque os professores não cansam de elogiar. Pensei inclusive em cursar Pedagogia, foi minha segunda opção no ENEM. Mas a primeira sempre foi Nutrição e fiquei sonhando com isso até entender que esse sonho tem um custo alto, que é o de montar consultório. Então desisti desse sonho, porque não posso arcar e nem consegui ser aprovada”, lamenta a jovem que, sem esmorecer, aposta em um curso preparatório do ENEM ofertado gratuitamente a estudantes de escolas públicas.

Para ela, o projeto Virando o Jogo pode ser o xeque-mate para a arquitetura de projetos de vida futuros. “Estou também fazendo um curso de Agente Ambiental certificado pelo IFCE. E assim passei a dar oficinas de educação ambiental nas escolas da comunidade, além de contribuir com a elaboração do Plano de Ação Comunitária. Quando descobri que além de qualificação profissional gratuita no SENAC o projeto estimula a formação cidadã e a intervenção em prol das nossas comunidades de origem então achei que seria mais do que oportuna aproveitar essa chance para amadurecer nessa área social e ambiental também, porque além de um emprego posso ser parte de uma melhoria de vida coletiva”, vibra a futura aluna que tem interesse nas áreas de Tecnologia e Saúde, mas quer mesmo é retribuir à altura todo o suado investimento que o pai pedreiro e a mãe ora desempregada fizeram para que estudasse prioritariamente.