Especial Virando o Jogo #10 | Agarrando a vida à unha

1 de junho de 2022 - 12:01 # # # # # #

Ethel de Paula - Repórter Queiroz Netto - Fotos

Quando Yonara França de Brito, hoje com 21 anos, se inscreveu para integrar a 2ª edição do projeto Virando o Jogo, nem imaginava já estar grávida. Acabara de concluir o Ensino Médio e, na escola, ouvira falar de um projeto do Governo do Estado que vinha ofertando qualificação profissional gratuita a jovens de 15 a 19 anos da periferia de Fortaleza, incluindo o bairro Vicente Pinzon, onde mora. Seriam sete meses de formação, entre equipamentos espalhados pelos próprios territórios e as instalações do SENAC, instituição parceira responsável pela certificação de uma série de cursos ofertados. Além disso, haveria ajuda de custo, vale-transporte e outros benefícios sociais.

“Quase nem acreditei de tão bom. Acho que já era minha filha Elisa, que, dentro da barriga, estava me dando sorte, porque essa oportunidade não podia ter aparecido em melhor hora. Escolhi ser mãe solteira, porque não queria casar com meu namorado à época e tive todo apoio dos meus pais para assumir em família a criança. E com a ajuda de custo do projeto pude comprar parte do enxoval dela e planejar nosso futuro, inclusive conseguindo investir numa profissão na área da beleza, que é a que eu quero seguir para dar uma vida melhor para nós duas sem precisar depender da minha mãe, que é cozinheira, e do meu pai, que conserta celular”, vibra Yonara, arrancando o riso cúmplice da bebê de sete meses de idade.

Não à toa, a moça que desde menina teve os cabelos trançados pelo pai e, com ele, também aprendeu a trançar, já fazia dessa habilidade uma pontual fonte de renda quando optou pelo curso de manicure-pedicure no SENAC. “Aqui, acolá, alguém do bairro já pagava para eu fazer tranças nagô ou box braids, então tinha em mente me profissionalizar nisso, mas faltava foco e planejamento. Durante a formação no projeto, aprendi a fazer mais: unha postiça realista, cutilagem e spa para os pés. E assim decidi juntar as duas coisas para correr atrás de uma clientela pelo bairro. Incentivada pelas professoras, resolvi então abrir um salão na garagem de casa, pegando parte da ajuda de custo para comprar material e começar meu próprio negócio”, conta a futura esteticista que demarcou o ambiente de trabalho doméstico pintando as paredes de rosa e exibindo nas próprias unhas o talento furta-cor.

O sonho de empreender Yonara nem sabia que tinha antes de passar pelas diversas fases do Virando o Jogo. “A qualificação profissional só vem depois da formação cidadã e da ação comunitária, intercaladas às aulas de primeiros-socorros. É quando paramos para pensar em um projeto de vida e falamos muito de nós mesmos. Isso mudou meu pensamento, porque eu era muito de procrastinar, pensava que queria trabalhar com várias coisas, mas não focava em nada. Aí no projeto consegui decidir e me planejar. O curso profissionalizante do SENAC é de alta qualidade porque os professores não só ensinam, como educam, estimulam e orientam a gente a colocar logo em prática o que aprendemos. Criaram até um grupo no WhatsApp para ajudar quem quisesse trabalhar em salão ou abrir um negócio próprio. Isso fez toda a diferença pra mim e agora já quero fazer outros cursos na área da beleza e crescer nesse ramo”, anuncia.

Do individual ao coletivo. Através do projeto Virando o Jogo, Yonara diz que também aprendeu sobre pertencimento e olhar solidário diante do seu entorno. “Eu já sabia da importância de fazer algo para melhorar a vida na própria comunidade quando participei, com outros jovens voluntários do Vicente Pinzon, de um trabalho de limpeza das praias aqui do Mucuripe. Mas, durante a fase da ação comunitária, quando a pandemia já havia afetado muito nossa situação financeira, foi fundamental a mobilização para promover o Dia das Crianças com distribuição de brinquedos e cestas básicas para as famílias. Esse ensinamento de dar as mãos em momentos de crise é tão importante quanto as aulas de primeiros socorros, onde aprendi a técnica de desengasgar uma criança, e mesmo a formação de manicure. Quer dizer, tudo no projeto se aproveita, levamos para a vida”, aferra.

Bola pra frente

Foi na Vila Olímpica do Centro Cultural Canindezinho que Ruan Lucas Maia Pinheiro, 19 anos, descobriu que pode fazer jus a vocações profissionais diversas. Como jovem integrante da 2ª edição do projeto Virando o Jogo – Superação ele passou pelo curso de Assistente Administrativo no SENAC mas quer mesmo é colocar a mão no diploma de um curso superior em Educação Física para ensinar crianças a jogar futebol. “O esporte pode “salvar” muitas crianças e jovens da periferia. Não é à toa que tantos sonham em jogar bola profissionalmente. Eu sempre gostei de jogar na escola e o Virando o Jogo também dá a opção de praticar esporte. Isso me levou a fazer amizades e hoje jogo junto com jovens que antes eram sedentários, além de começar a praticar jiu-jitsu. E foi assim que acabei escolhendo a faculdade que quero entrar”, destaca.

Para Lucas, o projeto Virando o Jogo muda a vida porque também muda a cabeça de quem vivencia suas diversas fases. “Nas aulas de formação cidadã aprendemos sobre ética, reciprocidade e respeito às diferenças, mas também sobre direitos e cuidados que devemos ter. Aprendi, por exemplo, sobre Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), mas também aprendemos juntos a confeccionar bebedouros e comedouros para ajudar os animais de rua, que são muitos nos bairros. Cada aprendizado foi importante nesses sete meses e hoje acho que o maior ganho foi que aprendi a interagir em grupo, me portar e me expressar melhor”, diz o jovem que também aprendeu a criar uma empresa ecológica do zero nas aulas do curso de Assistente Administrativo.

A palavra empreendedorismo já não assusta quem também investiu parte da ajuda de custo oferecida pelo projeto em criptomoedas. “Até hoje, mesmo depois de finalizada a formação, meu dinheirinho continua rendendo. É que abri minha cabeça e ainda quero ter meu negócio próprio, talvez no ramo da moda ou da gastronomia. Já comprei uma bicicleta com esse dinheiro e venho investindo nos materiais esportivos que vão me servir na faculdade, inclusive. Antes do Virando o Jogo eu tava há um ano só estudando para o ENEM, meio acomodado e sem saber o que cursar. Mas agora aprendi a planejar meu futuro e investir nele. Então, é bola pra frente”, ri-se, confiante, o filho de pai vigilante, mãe vendedora e avó ambulante.