Especial Virando o Jogo #02 | Mamães-coragem

28 de janeiro de 2022 - 14:47 # # # #

Ethel de Paula - Texto Queiroz Netto - Fotos

A presença de um bebê de colo na porta de entrada do CITS Jangurussu parecia tão inusitada quanto sugestiva. Maria Carliane Sousa, 17, a mãe, amamentava ali mesmo, rente ao muro, enquanto uma amiga e vizinha esperava para seguir com Ana Helena, 01 ano e dois meses, de volta para casa. Ciente da importância de não levar falta justo na fase do projeto Virando o Jogo em que teria noções de empreendedorismo, eis o único jeito encontrado para ter acesso a uma capacitação profissional sem deixar de olhar pela filha, ao mesmo tempo em que faria cumprir a orientação dos instrutores do SENAC para não levar crianças ao ambiente de sala de aula.

“A gravidez foi inesperada e acabei tendo que interromper meus estudos no Ensino Médio pra cuidar da minha filha. Mas o sonho de voltar a estudar para cursar Enfermagem ainda tá aqui na cabeça. Pra isso, preciso ter uma experiência profissional antes, aprender coisas novas. E é aí que entra o Virando o Jogo, trazendo essa chance de continuar os estudos e aprender uma profissão para que eu possa dar uma vida digna a minha filha”, conta a mãe de primeira viagem que também vibra por ter uma ajuda de custo a cada mês justo quando o companheiro perdeu o emprego e não há como contar com o pouco que o pai pedreiro tem recebido pelos bicos.

Como Carliane, Jéssica Pereira, 19, também é mãe e se vê desafiada a deixar a filha Ana Lívia, de 3 anos, aos cuidados de parentes para adquirir noções básicas na área da Administração. “Quero muito continuar a estudar e me formar em Pedagogia, mas também não tenho com quem deixar minha filha se um curso profissionalizante exigir muito de mim, então sonho com o dia em que projetos sociais como o Virando o Jogo, que é tão bom, possa oferecer também um espaço recreativo pras nossas crianças enquanto a gente se prepara melhor para dar um futuro para elas”, sugere a jovem.

De pai para filha

Potente em sua múltipla vocação comunitária, o CSU Palmeiras rejuvenesceu com a chegada do projeto Virando o Jogo e aquele entra-e-sai de jovens moradores do bairro que passaram a usar alguns espaços do prédio como sala de aula. Um deles, Paulo Carléssio, 16, conta que trabalha desde criança, dada a persistente condição de vulnerabilidade social em família, mas sempre gostou mesmo foi de estudar, ler e escrever. E assim é que vibrou com a descoberta de cursos profissionalizantes ofertados através de uma política pública estadual voltada à juventude da periferia e que também contemplaria formação cidadã, atividades culturais e esportivas.

“Apesar de ter várias iniciações profissionais para nossa escolha, como Assistente Administrativo, a área que escolhi, o que eu mais queria mesmo era voltar a uma sala de aula, aprender algo novo, recomeçar uma história escolar muitas vezes interrompida por dificuldades financeiras. E agora que virei pai de uma menininha de oito meses o nó apertou mais. Então essa chance de unir o útil ao agradável, já que a gente recebe uma ajuda de custo, foi como um sol que se abriu porque vou ter condição para comprar alimentação e vou me esforçar para também conseguir trabalho quando finalizar a formação profissional”, planeja, em tom de maturidade precoce, o moço de óculos que já vendeu merenda na rua e é fã de clássicos da literatura.

Juntos e misturados no SENAC    

Mil likes para o SENAC. Quando a ordem é profissionalizar, o principal parceiro do projeto Virando o Jogo abraça jovens dos mais diversos bairros da periferia da cidade em sua superestrutura originalmente desenhada para o ensino-aprendizagem. Enquanto o Centro da cidade ferve lá fora em suas múltiplas funcionalidades, lá dentro não há menos pluralidade de demandas ou desejos: em salas de aula devidamente equipadas para capacitações profissionais específicas, há desde jovens que miram a profissão de assistente administrativo aos que querem se tornar vendedores, fotógrafos, salgadeiros, barbeiros, eletricistas, pizzaiolos, manicures, maquiadores ou montadores de computador, entre outras áreas de atuação.

Juntos e misturados, revisitam sonhos, incrementam os próprios “corres” e apostam em novas habilidades capazes de ampliar as oportunidades de trabalhos e transformar suas realidades. Que o diga Cailane Rodrigues Falcão, 16, que já mostra talento para seguir como manicure, mas quer mesmo é não desistir do plano de vestir beca e se formar advogada, caminho que traçou para tornar possível a redenção de toda a família. “Eu hoje praticamente sustento a casa com a bolsa que ganho no projeto. Moro com meu companheiro e minha filha de 6 meses. Mas tenho muitos familiares presos: mãe, irmã, irmão. Queria ajudar. Se não der, quero montar um salão próprio em casa com uma amiga e criar a minha filha”, confidencia a jovem e franzina moradora do Pirambu.

Naquela tarde, houve ainda aula de fotografia, com direito a ensaio fotográfico nos jardins do Senac.  É que não havia melhor forma para entender, na prática, como medir e dominar a temperatura da cor. Encantada com os inúmeros recursos de uma Canon profissional, Lara Késsia Gomes, 20, fotografou e se deixou fotografar, entendendo ali a diferença abissal entre a câmera do celular e a máquina fotográfica. “Sempre sonhei em cursar Medicina. E tô juntando o dinheiro da bolsa que ganho no projeto Virando o Jogo para ano que vem pagar um cursinho de pré-vestibular. Mas confesso que aqui descobri uma segunda vocação: a de ser fotógrafa. Quero levar pra vida, trabalhar com isso também e, quem sabe, até voltar ao Senac para aperfeiçoar a técnica”, planeja a futura médica e fotógrafa que também está às voltas com um curso técnico de assistente administrativo. Tudo para não ter que voltar a vender trufas na rua e nem reviver imagens de um passado cravado de provações e faltas.